O custo e o risco inerentes ao estoque sempre foram um desafio central no varejo. O advento do modelo de e-commerce via marketplaces, popularizado pela Amazon em 2000, ofereceu uma solução, minimizando esse problema para a plataforma. Em vez de manter estoque próprio, a Amazon passou a vender produtos de terceiros (sellers).

O Mercado Livre, que já nasceu com essa lógica, demonstrou que o modelo não apenas funciona, mas pode gerar alta lucratividade. Contudo, essa transferência de risco e custo recai sobre o seller, que agora assume o estoque, a operação, a performance e a gestão da margem dentro do grande mercado online.

De canal de risco a plataforma de domínio

Por muito tempo, o conselho predominante no Brasil foi: “não dependa demais dos marketplaces.” Essa cautela era justificada, pois operar em um canal que não se controla submete o negócio a mudanças arbitrárias em regras, comissões ou políticas de exposição. Embora essa preocupação tenha fundamento, é inegável que os marketplaces respondem por uma fatia massiva do e-commerce nacional.

Enquanto o mercado brasileiro ainda debate como fugir, empresas nos Estados Unidos e na China demonstraram que a estratégia mais lucrativa é dominar e escalar dentro deles. Muitas dessas empresas cresceram tanto que realizaram IPOs e se tornaram players globais, não fugindo, mas sim abraçando a plataforma como seu principal campo de batalha.

Esse movimento de domínio pode ser categorizado em três modelos de sucesso, representados por Pattern (EUA), SAI/Sailvan Times (China) e Anker (China). O ponto em comum é a estratégia de não deixar o marketplace, mas sim de se tornar o agente dominante nele.

Três modelos de sucesso dentro do marketplace

Os cases internacionais revelam caminhos distintos para a excelência operacional dentro de grandes plataformas como a Amazon:

Modelo: Distribuidor digital premium Exemplo: Pattern (EUA) Estratégia central: Operar marcas de terceiros com exclusividade, eficiência de dados e escala.

Modelo: Genérico em escala Exemplo: SAI (China) Estratégia central: Usar marcas próprias genéricas, operar com multicontas, eficiência extrema e volume.

Modelo: Marca própria de valor Exemplo: Anker (China) Estratégia central: Construção de marca global, investimento em inovação e diversificação de canais.

O caso Pattern: distribuindo marcas com alta performance

A americana Pattern opera como uma distribuidora digital completa para marcas globais como Spanx, Thorne e Panasonic. Seu papel vai muito além do seller comum: ela garante exclusividade comercial em diversos canais e assume o controle total sobre mídia, catálogo, pricing, logística e, em alguns casos, até mesmo o e-commerce direto ao consumidor (DTC) da marca.

A Pattern assume o risco ao comprar o estoque e investir com verba própria em mídia de performance e branding. O modelo só é sustentável devido à sua eficiência em dados e execução. A tecnologia própria permite otimizar cada centavo, medindo margem e retorno por SKU.

Um aspecto notável é a integração com o canal DTC: a Pattern usa o marketplace como um motor de aquisição, incentivando o cliente a migrar para o canal direto da marca. No DTC, o cliente encontra ofertas exclusivas, programas de fidelidade e experiências mais ricas, transformando o DTC em um motor de margem e retenção.

O caso SAI: eficiência chinesa, escala e risco

No outro extremo, a chinesa Sailvan Times (SAI) construiu um império com foco em escala extrema, vendendo marcas próprias genéricas na Amazon. Com mais de 2.300 lojas e cerca de 100 mil SKUs ativos, seu diferencial é a eficiência operacional, e não o branding. O modelo é focado em testar produtos em ciclos curtos e substituir rapidamente o que não performa, dependendo quase totalmente da Amazon.

A SAI também assume todo o risco de estoque e ads, mas, por suas marcas serem genéricas, o consumidor não estabelece fidelização, dando à empresa liberdade para pivotar e escalar com velocidade. As margens são apertadas (margem líquida abaixo de 1%), mas o volume de vendas em bilhões de dólares transforma margens pequenas em lucro real. Contudo, a dependência absoluta da Amazon torna o modelo mais vulnerável a mudanças de política.

O caso Anker: a marca própria que nasceu global

A Anker Innovations, fundada por um ex-funcionário do Google, é o exemplo de como construir uma marca de valor dentro do marketplace. Começou com carregadores e hoje é uma holding de marcas (Soundcore, Eufy, Nebula), todas focadas em tecnologia própria, design e inovação.

Diferente da SAI, a Anker construiu equity de marca desde o início. Ela usou a Amazon como plataforma de escala e diversificou sua presença para além dela, incluindo e-commerce próprio, varejo físico e canais B2B. A Anker entendeu que o cliente que descobre o produto na Amazon pode ser retido e fidelizado em canais próprios, construindo um ecossistema completo de presença, marca e recorrência.

Marketplace: armadilha ou trampolim?

A visão de que o marketplace é um “terreno alugado” é válida: as regras não são suas e a margem pode ser pressionada. Mas o sucesso de Pattern, SAI e Anker prova que o problema não reside no canal, mas na estratégia do seller.

Sellers que operam por necessidade, sem modelo, dados ou posicionamento claro, tendem a se tornar reféns. Por outro lado, aqueles que investem em estrutura, capital e foco estratégico podem fazer do marketplace seu maior trunfo. A Pattern gerencia o risco com excelência, a SAI busca a escala, e a Anker usa o canal para crescer antes de expandir.

Como ressaltou o empreendedor Jean Makdissi, para quem aprende a jogar com inteligência, o marketplace se torna um trampolim.

A mudança de mentalidade é a chave

Em vez de focar na pergunta “como reduzir minha dependência dos marketplaces?”, é mais estratégico questionar: “qual modelo me permite dominar os marketplaces?

Fugir é reação. Dominar é estratégia.

O cenário brasileiro, com a entrada e expansão de novos players como Kwai Shop e Tiktok Shop, aumenta as oportunidades e também a exigência de novas habilidades, como a operação em canais baseados em conteúdo de vídeo. O próximo grande caso de sucesso no e-commerce brasileiro virá de quem decidir parar de resistir e começar a dominar.

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